Encontrei Tiago*, que é ateu e vegetariano. Num dado momento comecei a questionar o seguinte:
“Sabe Tiago, às vezes tento entender os vegetarianos e veganistas. Entendo que há pessoas que precisam ser vegetarianas por questões de saúde, mas estes eu entendo.
A combinação que busco entender é a sua, a do vegetarianismo/veganismo+ateísmo. Ou seja, ateus vegetarianos/veganos, me parece que você é daqueles extremistas e politicamente correto. Tudo bem, mas acredito que você deveria ser no mínimo teísta. Calma, posso explicar os argumentos que me levaram a pensar isso. rs
Aí ele me disse: Rodrigo,tô calmo mano. rs Que legal me perguntar isso, na verdade é simples como amarrar um tênis. Acho que posso te mostrar meus argumentos.
Bom, minhas premissas de forma bem resumidas são:
P1 — Os animais são mantidos pelos homens em cativeiros para comermos, isso é errado;
P2 — Homens vegetarianos não são cúmplices de tal atrocidade;
Logo, os homens que comem animais estão errados, pois são cúmplices de tal atrocidades.

Antes de continuar o diálogo neste post, gostaria de abrir um parenteses:
“Para que o raciocínio seja verdadeiro, não basta que as premissas e a conclusão sejam verdadeiras. É preciso que seja impossível que sendo as premissas verdadeiras, a conclusão seja falsa.
Assim podemos ter:
Argumentos válidos, com premissas verdadeiras e conclusão verdadeira;
Argumentos válidos, com premissas falsas e conclusão falsa;
Argumentos válidos, com premissas falsas e conclusão verdadeira;
Argumentos inválidos, com premissas verdadeiras e conclusão verdadeira;
Argumentos inválidos, com premissas verdadeiras e conclusão falsa;
Argumentos inválidos, com premissas falsas e conclusão falsa; e
Argumentos inválidos, com premissas falsas e conclusão verdadeira.
Mas não podemos ter:
Argumentos válidos, com premissas verdadeiras e conclusão falsa.
(…)
Lisa Simpson vegetariana
Então, podemos ter argumentos válidos com conclusão falsa (se pelo menos uma das premissas for falsa). Em filosofia pretendemos chegar a conclusões verdadeiras. Por isso, precisamos de argumentos sólidos.
Um argumento sólido é um argumento válido com premissas verdadeiras. Um argumento sólido não pode ter conclusão falsa, pois, por definição, é válido e tem premissas verdadeiras; ora, a validade exclui a possibilidade de se ter premissas verdadeiras e conclusão falsa.”
Voltando…

Legal Tiago! Tenho as seguintes premissas para contra argumentar, na verdade levar seu raciocínio às últimas consequências:
P1 — Existem animais que comem carne, pois faz parte de sua natureza;
P2 — Homens são animais;
P3 — A natureza é neutra moralmente.
Logo, homens comem carne porque faz parte da natureza e isto não os faz errados moralmente, pois a natureza é neutra.
Dito isto, vamos analisar as suas premissas vegetarianas, vamos mais a fundo.
P1 — Os animais são mantidos pelos homens em cativeiros para comermos, isto é errado;
Sim, há homens que mantém animais em cativeiro para nos alimentar e as vezes nos vestir. Porém há uma afirmação que diz “isto é errado”, para que esse pedaço seja verdadeiro devemos definir o que é errado. Pois a premissa 1 dos vegetarianos (V) está confrontando com minha premissa 3, (O).
V: Vegetariano
O: Onívoro
Qual premissa é verdadeira? P1(V) ou P3(O)?
P1(V) — Os animais são mantidos pelos homens em cativeiros para comermos, isso é errado;
P3(O) — A natureza é neutra moralmente
.
Onde está baseado nossa moral? Na natureza?
As premissas não podem ser amigas, porque uma alega o ser errado e a outra alega a neutralidade moral da natureza. Se você é um naturalista, então temos sérios problemas em última análise.
Para explicar melhor, gostaria de te fazer algumas perguntas para levar às consequências extremas da sua argumentação.
Se comer animais é errado, o que diremos de animais carnívoros? Porque nossa moral não se aplica a eles? Porque estaríamos errados em comermos carne? Qual o problema de manter cativeiro os animais? Cada animal não usa suas armas (seja garras ou cérebro) para a caça? Então o que nos faz acreditar que isto é errado?
Talvez o raciocínio seja de não fazer com os outros o que não gostaria que fizessem com você. Mas esse raciocínio não se aplica para seres irracionais carnívoros, pois eles precisam comer carne para viver e não tem uma consciência analítica do altruísmo ou empatia.
Acredito ser complicado afirmar que pela natureza podemos descobrir o que é certo ou errado, pois quem disse que nossa vida vale mais do que das formigas? Ou das abelhas? Porque a moral humana é a certa e a das abelhas não? Ou da viúva negra? Ou do tubarão? Ora, as abelhas matam suas filhas férteis; o tubarão força a copulação com sua fêmea; a viúva negra é viúva porque mata seu “marido”; E vários outros exemplos poderiam ser citados. Então, porque nossa natureza moral é superior em relação a cada espécie?
Conseguinte, deve-se concluir que a natureza é neutra moralmente.
E o que nos faz entender o que é certo ou errado? Porque o Nazismo foi errado?
Segura!! Digo que a noção para o que é certo, errado, bem e mal vem do senso do divino, ou sensus divinitatis, como alguns filósofos chamariam. É a Imago Dei impressa na nossa mente.
Se você é ateu, deve estar se perguntando em como cheguei nessa lógica bizarra. Vou explicar, claro.
Acrescento, que, valores e objetivos morais existem e se Deus não existe, não há razão para que valores e objetivos morais sejam cumpridos. Pois na ausência Dele, a moral e os deveres passam a ser subjetivos, nos impossibilitando de dizer o que é certo e errado.
Se não creio na existência de Deus, então os valores e deveres morais são relativos, por isso posso comer carne e não tenho o direito de dizer que é moralmente errado quem come vegetal (muito menos que o nazismo, por exemplo, foi errado).
Ora, se a P2(V), que diz “Homens vegetarianos não são cúmplices de tal atrocidade”, não posso concluir que é uma atrocidade, pois a moral é relativa e neutra, ou seja, um vegetariano ateu não pode dizer que é errado comer carne, uma vez que ele não crê em valores e deveres morais objetivos (que não depende da opinião de ninguém para ser verdade).
Se o vegetariano crê que seja errado comer carne e que todos deviam aderir ao movimento deles, eles estariam apelando para os valores e deveres morais objetivos. Para que eu aceite isso, ele deve me convencer que há deveres e valores morais objetivos a serem cumpridos, ou seja, que a verdade deles seja verdade independentemente de nossa opinião.
Resumindo minhas novas premissas:
  1. Se Deus não existe, valores e deveres morais objetivos não existem;
  2. Valores e deveres morais objetivos existem;
    Portanto, Deus existe.
Em suma, acredito que um vegetariano que realmente pensou sobre a questão deveria ser no mínimo teísta.
“Considere então a hipótese de que Deus existe. Em primeiro lugar, se Deus existe, valores morais objetivos existem. Dizer que existem valores morais objetivos é afirmar que algo é bom ou mau independentemente de alguém acreditar que isso seja verdadeiro. É afirmar, por exemplo, que anti-semitismo nazista é moralmente errado, mesmo que os nazistas que realizaram o Holocausto pensassem que isso fosse bom; e continuaria a ser errado mesmo que os nazistas tivessem ganho a Segunda Guerra Mundial e exterminado ou tivessem feito lavagem cerebral em todos que discordassem deles.”
Para saber mais deste assunto sobre valores e deveres:
http://lucasbanzoli.no.comunidades.net/index.php?pagina=1078177828
Recapitulando, nós fomos de vegetarianismo ao senso de moral do ser humano, que nos diz sobre valores e deveres,ou seja,certo e errado, bom e mau.
Neste caso Tiago, creio que levando seus argumentos, o de um ateu naturalista e relativista à últimas consequências,veremos que você tem vários problemas filosóficos para encarar e responder.
E a conversa rendeu.

*personagem e diálogo fictício